Transação individual e o novo caminho dos grandes litígios

A transação individual com a PGFN tem ocupado uma posição cada vez mais central nas discussões estratégicas das empresas, especialmente aquelas que lidam com passivos relevantes e complexos, sendo instituída pela Lei nº 13.988, de 2020, como mecanismo de solução consensual de litígios com a Fazenda Nacional. O que inicialmente se apresentava como um instrumento para reduzir litígios, reorganizar passivos e permitir soluções mais eficientes acabou gerando, na prática, um novo tipo de contencioso, mais silencioso, menos visível e muito mais técnico, que vem sendo chamado de macrolitigância administrativa. Esse fenômeno representa uma mudança estrutural: deixa-se progressivamente a litigância típica do Judiciário para ingressar em um ambiente de disputas dentro da própria esfera administrativa, onde a PGFN detém poder normativo, metodológico e interpretativo sobre quase todas as etapas do processo. 

A transação individual exige que o contribuinte supere uma série de análises altamente técnicas, começando pela definição da capacidade de pagamento (CaP), que se tornou o eixo central da discussão. A metodologia da PGFN, baseada em critérios próprios, indicadores financeiros e parâmetros internos que muitas vezes não refletem a realidade de cada negócio, conforme disciplinado em atos normativos da própria Procuradoria, a exemplo da Portaria PGFN nº 6.757/2022, acaba gerando uma margem significativa de controvérsia. Empresas que se encontram em situação operacional delicada frequentemente se veem enquadradas em capacidade de pagamento superior ao que de fato podem suportar, o que resulta em prestações incompatíveis e acordos frágeis, sujeitos à rescisão. 

Outro ponto que alimenta essa nova macrolitigância é a natureza dinâmica do acordo. A transação não é um contrato estático, mas um instrumento acompanhado de perto pela administração pública, que pode revisá-lo, exigir comprovações adicionais, alterar parâmetros e até reclassificar o contribuinte conforme seu comportamento fiscal. Nessa lógica, surgem disputas não mais sobre teses jurídicas tradicionais, mas sobre cumprimento de obrigações acessórias, manutenção de regularidade fiscal, apresentação de garantias, eventuais inclusões de novos débitos, documentação insuficiente e interpretações administrativas que, embora não passem pelo crivo judicial imediato, têm impacto direto sobre a validade e continuidade do acordo. 

Esse cenário pressiona as empresas a manter um nível de governança fiscal e financeira muito mais rigoroso do que o que era exigido anteriormente. A transação individual cria uma linha contínua de controle, quase uma “prova mensal” imposta ao contribuinte, que deve demonstrar capacidade, regularidade e previsibilidade ao longo de toda a sua execução. Qualquer falha pode gerar, com relativa facilidade, a rescisão unilateral, a perda imediata dos benefícios concedidos e o retorno do débito ao valor original, acrescido de juros, multa e atualização. Assim, o risco econômico de uma transação mal estruturada é, em muitos casos, superior ao risco que motivou a negociação. 

Surge então uma mudança relevante na lógica do contencioso tributário. Se antes o foco das empresas era a discussão judicial das autuações e a análise de teses tributárias, hoje o debate se desloca para disputas sobre critérios administrativos, capacidade de pagamento, demonstrações contábeis, movimentação financeira, comportamento fiscal e interpretação das regras internas da PGFN. O conflito não desaparece; ele apenas muda de natureza. E, nesse novo terreno, o contribuinte se encontra mais vulnerável, pois enfrenta uma administração com ferramentas técnicas próprias, metodologias consolidadas e capacidade de revisão permanente. 

Esse novo ambiente exige uma assessoria ainda mais especializada, capaz de olhar não apenas para o direito tributário clássico, mas também para a análise financeira, o compliance fiscal, a estruturação de indicadores econômico-contábeis e a negociação institucional. Muitas empresas aderem à transação individual acreditando tratar-se de uma solução automática, sem compreender que sua eficácia depende de um acompanhamento contínuo e qualificado. Uma orientação inadequada pode levar a decisões precipitadas, comprometer o fluxo de caixa, fragilizar a posição institucional da empresa e, em casos extremos, transformar a transação em uma armadilha que agrava a situação inicial. 

Por outro lado, quando conduzida com técnica e estratégia, a transação individual se torna um instrumento poderoso para reorganizar passivos e construir previsibilidade. A diferença entre os dois cenários está na profundidade da análise prévia, na capacidade de modelar corretamente a realidade financeira da empresa e na condução cuidadosa de todas as etapas do processo. É justamente aí que a qualidade da assessoria se torna o fator determinante entre uma oportunidade e um problema. 

Em síntese, a transação individual inaugura uma nova fase do contencioso tributário no Brasil. Uma fase em que a disputa não se trava mais apenas nos tribunais, mas no interior da própria administração, por meio de critérios técnicos, revisões periódicas e condições que exigem acompanhamento contínuo. Nesse contexto, a macrolitigância administrativa surge como um fenômeno relevante e inevitável, e as empresas que desejam utilizar a transação como solução, e não como risco, precisam estar preparadas para navegar esse ambiente com orientação especializada, técnica e estratégica. 

Por Bruno Junqueira – Advogado Tributarista, integrante da equipe de Contencioso Estratégico da Arnone Advogados